Primeiramente,
você deve estar se perguntando quem seria Gustavo Flávio. Bom, ele é um famoso
escritor, tem em seu currículo romances e ensaios de sucesso, entre eles “Comer”
e “Foder”. E se você ainda não estiver reconhecendo essa figura, não se preocupe.
É que Gustavo Flávio é um personagem fictício que aparece em dois romances do
escritor Rubem Fonseca. Trago hoje para vocês sua segunda aparição, no romance
policial “E do meio do mundo prostituto
só amores guardei ao meu charuto”, no qual por meio de conversas e cartas
enviadas ao seu advogado Mandrake e sua ex-mulher Amanda, divaga sobre os requisitos
para ser um bom escritor, já que é bem ressaltado por Gustavo que não existe
uma fórmula, mas há pré-requisitos que podem ser trabalhados.
Rubem Fonseca utiliza a experiência adquirida na formação em Direito e nos anos em que foi Comissário de Polícia para construir romances policiais marcados por uma prosa irresistível e contemporânea.
Em
uma conversa com Amanda num restaurante, Gustavo Flávio destaca a primeira característica
de bom escritor: a observação.
“No
fim eu iria dizer para você que o papel do escritor é fazer o leitor ver o que
ele, o escritor, viu. E o que o escritor vê não deve ser necessariamente a
realidade convencional. Essa nossa conversa não era para ensinar você a ver o
que pode ser visto, mas a ver o que não se vê. Você não pode adotar a semiótica
de médicos e policiais, que através dos sinais que dispõem precisam descobrir
uma verdade.” (Pág. 48)
Numa
carta dirigida ao seu advogado Mandrake, Gustavo aponta outra característica do
bom escritor e o que o levou a tornar-se um: vontade e motivação.
“Talvez
seja essa a maior de todas as motivações para alguém tornar-se um escritor,
para o artista criar: o conhecimento que o ser humano tem de sua própria
finitude, a certeza de que vai morrer. (Vide Nietzsche). Mas o certo é que não
importa qual o tipo de motivação, consciente ou inconsciente, eu falei isso
para a Amanda, que diz que quer ser escritora, o importante é que a vontade
seja muito forte.” (Pág. 62)
“E
quanto a mim, o que me levou a tornar-me um escritor? Acho que a resposta é uma
só: eu gostava tanto de ler que naturalmente passei a escrever. Lembro-me de
que, ainda muito jovem, certas leituras me davam uma incoercível vontade de
escrever (...). O destino normal do leitor fanático é se transformar num
escritor.” (Pág. 63)
Gustavo
Flávio ainda completa que todo leitor reescreve o livro que lê durante o
processo de leitura. E, claro, sua motivação para escrever vem da paixão que
tem pelas mulheres, que é demonstrada na trama da história. Apenas mencionei
Amanda, por que foi com ela que Gustavo teceu os diálogos mais relevantes a
respeito da arte de escrever. Mas, na verdade, existia um “quadrilátero”
amoroso entre Amanda, Luiza, Silvia e nosso escritor, que por diversas vezes
declarou para Mandrake seu amor pelas três. Apenas a título de esclarecimento,
Luiza é sua atual companheira, Amanda sua ex-mulher e Silvia é esposa de um
antigo colega de faculdade. Então digamos que ao falar de sua motivação para
escrever, Gustavo falou com propriedade.
Mas
dando continuidade às dicas de Gustavo Flávio, outra característica deve ser
ressaltada: a imaginação.
“Você
pode usar a realidade, como Balzac, Flaubert, Zola fizeram. Zola dizia que ele
e todos os escritores naturalistas eram ‘anatomistas, analistas, compiladores
de dados sobre a natureza humana, seguidores da verdade’. Se você, Amanda, como
escritora, quiser usar sua experiência, os incidentes da sua vida, tudo bem,
ninguém se livra do seu eu, apenas não exagere, lembre-se do que Gide disse (creio
que foi Gide), um mau escritor escreve sobre sua vida, um bom escritor escreve
sobre suas vidas possíveis, vidas no plural. Use a Vida, a sua e a dos outros.
Suas memórias, aquelas que você carrega desde a infância e que ficaram no seu
coração, parafraseando o que disse Aliosha Karamazov, podem salvar o seu
romance. (...) E você tem que confiar na sua imaginação, mesmo correndo o risco
apontado por Plínio, o Velho, de que sua imaginação a faça infeliz ou torne
você uma delirante. (...) Sem imaginação não há literatura. A imaginação é a
mãe da ficção, é a mãe da poesia, é até mesmo, como disseram Mommsem e
Burckhardt, a mãe da História”. (Págs. 77 e 78)
Sem
esgotar os ensinamentos de Rubem Fonseca, que nos vem passados por Gustavo
Flávio, escrever exige paciência e, sobretudo coragem, já que a todo momento
uma decisão tem que ser tomada.
E
para finalizar, a trama se desenvolve em torno do assassinato de algumas
amantes do passado de Gustavo. E, sem soltar spoilers, posso dizer que o final
é surpreendente, como todo bom romance policial.
FONSECA,
Rubem. E do meio do mundo prostituto só amores guardei ao meu charuto. São
Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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